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Mais espaço para a iniciativa privada
Precisamos acreditar na
capacidade dos empreendedores brasileiros
19/06/2018
O Chile é hoje o país da América
Latina com os melhores indicadores econômicos. Sua renda per capita é de US$
24,6 mil, segundo cálculo feito Fundo Monetário Internacional (FMI) com a
metodologia da paridade do poder de compra. Nos últimos 20 anos, o país
ultrapassou o Brasil (US$ 15,5 mil), a Argentina (US$ 20,6 mil) e o México (US$
19,5 mil), as maiores economias da região.
O Chile não tem uma economia mais
diversificada do que a brasileira, nem tem posição geográfica mais estratégica
do que o México, por exemplo, mas tem outros fatores que fazem do país o que
tem mais chances na região de fazer a travessia para o mundo desenvolvido. Seu
trunfo está em uma combinação de estabilidade e abertura econômica, algo
bastante raro no continente.
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Uma parte importante dessas
características é retratada no Índice de Liberdade Econômica, feito anualmente
pela Heritage Foundation e publicado neste ano em português com exclusividade
pela Gazeta do Povo. O Chile é o terceiro país com maior grau de
liberdade econômica das Américas, ficando atrás apenas do Canadá e dos Estados
Unidos. As três nações são as únicas classificadas como “majoritariamente
livres” no continente.
“No longo prazo, o potencial de crescimento do país
pode se multiplicar quando houver uma combinação de maior espaço para a
iniciativa privada e um ambiente de negócios atraente.”
Algumas diferenças do Chile para
outros países da região se tornaram casos para estudos. Seu sistema de aposentadorias,
por exemplo, usa fundos privados de capitalização e é um dos mais sustentáveis
do mundo – embora, é claro, tenha pontos de discórdia, como os valores baixos
das aposentadorias. O modelo com contas individuais geridas por fundos privados
recebeu nota B do Índice Global de Pensões, feito anualmente pela consultoria
Mercer e que tem escala de A a E, mesma categoria de países bem resolvidos como
Canadá e Nova Zelândia.

No Índice de Liberdade Econômica,
No Índice de Liberdade Econômica,
no qual o Chile é o 20º colocado do mundo e 3º nas Américas, o Brasil ocupa a
153ª colocação global e 27ª no continente. Há um contraste gigantesco entre os
dois países no quesito “gastos do governo” (no Brasil, o setor público consome
cerca de 40% do PIB, contra 25% no Chile) e “saúde fiscal” (a dívida pública
brasileira é quase quatro vezes maior do que a chilena).
O Brasil também fica bem para
trás na sua abertura aos investimentos. No setor bancário, chama a atenção dos
autores do ranking o tamanho dos bancos públicos e do crédito direcionado, além
da pouca abertura do governo para investimentos estrangeiros por causa de
políticas como a exigência de conteúdo local em alguns setores.
A regulação brasileira na área
trabalhista também é menos flexível do que a chilena, item no qual o Brasil
pode começar a avançar nos próximos anos com a efetivação da reforma
trabalhista. Neste ponto, seria importante o compromisso do próximo governo em
manter de pé a reforma, que fez avançar as relações trabalhistas com a
permissão para que o negociado prevaleça sobre o legislado e a extinção de
anacronismos, como o pagamento de horas in itinere e a exigência de que
mulheres façam intervalo de 15 minutos antes das horas extras.
Custo
Brasil e carga tributária
Para se tornar mais competitivo,
o Brasil terá de lidar com as amarras que, como a legislação trabalhista, detêm
a iniciativa privada. O relatório da Heritage Foundation cita um velho
conhecido do país, o “Custo Brasil”, que pagamos na forma de um sistema
tributário complexo e injusto, infraestrutura ruim e outras distorções que
tornam a vida do empreendedor mais difícil.
Em uma frente, a redução desse
custo pode se dar com uma ampla reforma tributária, que não só simplifique o
pagamento de impostos, mas torne sua incidência mais semelhante à de países
avançados. Na ânsia de pagar suas contas, governo após governo vêm se apoiando
na cobrança dos impostos sobre o consumo e o trabalho. Segundo dados da OCDE
referentes a 2014, o Brasil tributa bens e serviços em 16,28%, em média, do
produto. Está bem acima da maioria dos países desenvolvidos, onde esse tipo de
imposto equivale a 10% a 12%. Nos Estados Unidos, é 4,5%.
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O Brasil tem uma das maiores
cargas tributárias sobre o trabalho: pouco mais de 70% sobre o valor do
salário, contra uma média de 14,1% nas sete maiores economias do mundo (o G7).
O sistema torna caro produzir e vender produtos. Ao mesmo tempo, a tributação
sobre lucros e dividendos é menor do que na maioria dos países da OCDE: 5,85%,
contra 12,5% nos Estados Unidos e 11% na Alemanha.

Além de mal distribuída, a carga
tributária no país é mais alta do que em outros países emergentes, de 32,4% em
2014, contra 19,8% no Chile e 28,7% na Turquia, segundo dados daOCDE. Para
completar o diagnóstico, é preciso levar em conta que pouco mais de metade da
carga é de tributos e contribuições para a União, o que enfraquece o “pacto
federativo”, a autonomia de políticas públicas dos estados
Por isso, uma reforma tributária
não precisaria apenas simplificar nosso sistema de cobrança de impostos. Teria
também de mudar a estrutura de impostos para penalizar menos a produção e
incidir mais sobre o resultado real de empresas e acionistas. Essa nova
estrutura tributária poderia ser um estímulo para o crescimento econômico e, se
combinada com um ajuste fiscal efetivo, levar a uma redução, mesmo que pequena,
da carga tributária no longo prazo.
Privatizações
para crescer
Em outra frente, o Custo Brasil
vai cair conforme houver mais investimento privado em áreas essenciais. A força
da iniciativa privada também está atrofiada no Brasil pela forma como o Estado
entrou nos mais diversos setores da economia. O governo é, ao mesmo tempo,
empresário, investidor e regulador em diversas áreas, como bancos, saneamento,
geração e transmissão de energia, produção e refino de petróleo, etc.
LEIA MAIS: Uma saída para as concessões problemáticas
O ciclo de privatizações dos anos
90 é um exemplo de que a iniciativa privada, quando há o ambiente regulatório
correto, consegue suprir melhor as necessidades dos consumidores. Na telefonia,
o país conseguiu erguer um sistema que tem competição, serviço disponível a
todos e um grau maior de transparência no enfrentamento de problemas – isso
tudo mesmo com o enfraquecimento de agências reguladoras nos últimos 10 anos. O
maior fracasso na área veio, justamente, de uma grande intervenção: a criação
de uma “supertele nacional” com patrocínio público e que acabou no maior pedido
de recuperação judicial da história do país.
Nos últimos dois anos, houve
algum avanço na forma como o governo federal e alguns estados encaram o
“Estado-empresário”, em grande medida por causa da grave situação fiscal e de
erros administrativos do passado. A Petrobras deu início a um grande programa
de reestruturação, com a venda de negócios secundários e a abertura de capital
de sua distribuidora de combustíveis, e a Eletrobras caminha para a venda de
ativos e privatização do controle.
Esses dois processos de melhoria
de gestão terão de ser continuados no próximo governo. A Petrobras ainda
precisa completar seu programa de desinvestimento e não deve ser usada como
vetor do desenvolvimento, como ocorreu nos anos em que, não por coincidência,
aconteceram os desvios apurados pela Lava Jato. Foi importante para a empresa a
mudança na lei que tirou a obrigatoriedade para que ela seja operadora única do
pré-sal, o que destravou as concessões de áreas de exploração e tirou um fardo
indesejado de cima da companhia. A continuidade desse ajuste vai abrir mais
espaço para empresas privadas investirem mais no país.
O caso da Eletrobras também será
provavelmente herdado pela próxima gestão. O governo Michel Temer teve
dificuldade em aprovar o arcabouço legal para a privatização da empresa. Há
resistência no Congresso, especialmente entre parlamentares de estados do Norte
e do Nordeste, por causa dos tantos cargos existentes em subsidiárias da
empresa. O ideal, aqui, é que se complete a venda do controle da companhia para
que ela possa voltar a investir no longo prazo.
LEIA MAIS: Uma agenda para o Brasil
Há outros desafios em setores
como o bancário, que hoje tem metade do crédito concentrado em bancos públicos,
e nos Correios. No primeiro caso, há poucas razões para o governo evitar perder
o controle sobre seus bancos de varejo. É mais importante que o Estado cuide da
regulação para aumentar a competição no setor, fator que é um dos principais
obstáculos para que a queda na taxa básica de juros chegue a empresas e
consumidores.
O Brasil tem hoje 151 estatais,
que tiveram juntas um prejuízo de R$ 19,1 bilhões em 2016 e perda projetada de
R$ 15 bilhões no ano passado. Várias delas dependem da União e têm funções
difíceis de serem privatizadas, como a Embrapa e a Empresa de Pesquisa
Energética (EPE), ambas com um papel de planejamento e desenvolvimento de
setores importantes.
Há outras que são verdadeiros
sonhos desenvolvimentistas, como a Ceitec, que fabrica microchips, a Hemobrás,
que faz derivados de sangue, e a Telebrás, ressuscitada para o serviço de
transmissão de dados. São casos em que a aventura estatal produziu custos a
perder de vista e poucos resultados práticos. Nenhuma dessas empresas faz
coisas que não poderiam ser produzidas pelo setor privado, desde que o ambiente
de negócios no Brasil permitisse.
Concessões
e parcerias
Um front complementar às
privatizações é a da concessão de projetos e serviços à iniciativa privada. O
Brasil já teve três grandes projetos na área na última década, o PAC de Lula, o
PIL de Dilma Rousseff e o Avançar de Temer, sempre com a promessa de conceder
ou construir dezenas de projetos de infraestrutura. Em todos eles houve uma
grande frustração, seja pelo ritmo lento das obras, seja pela simples falta dos
projetos para que elas saiam do papel. Nos piores casos, o problema foi a
corrupção envolvida.
É possível aprender com os erros
e acertos desses projetos do passado. No setor de energia, por exemplo, no qual
há um planejamento de longo prazo, os maiores fracassos estão nos projetos
dirigidos pelo Estado, como a construção da usina de Belo Monte e a usina de
Angra 3, ambas investigadas na Lava Jato. Aqui, deveria valer a regra de que um
negócio não vale a pena se nenhuma empresa tem interesse no risco.
Houve, em contraposição, um caso
de enorme sucesso na última década na geração de energia eólica. Com regras
claras e garantia de mercado via leilões para fornecimento de energia, a
geração eólica passou de quase zero para 8,3% da matriz energética brasileira
em uma década. São já 12 GW de capacidade instalada e a previsão é que haja uma
expansão de mais 50% até 2023.
Para a construção dos mais de 500
parques eólicos que existem hoje no país, a maior parte do investimento foi
assumido por empresas privadas ou companhias estatais abertas, que têm mais
acesso ao mercado de capitais – inclusive linhas de crédito do BNDES que fazem
sentido quando se fala no incentivo ao crescimento de novos setores econômicos.
LEIA MAIS: O difícil caminho até a liberdade econômica
Esse tipo de experiência não
precisa ficar restrito à infraestrutura. Empresas privadas podem entrar em
setores tradicionalmente atendidos pelo estado, como escolas e hospitais, em
parcerias que tenham contratos transparentes. A resistência à participação
privada fora da infraestrutura pode ser vencida com boa regulação, metas
objetivas e prestação de contas.
No longo prazo, o potencial de
crescimento do país pode se multiplicar quando houver uma combinação de maior espaço
para a iniciativa privada e um ambiente de negócios atraente – algo que pode
ser medido, por exemplo, pelo tempo que se leva para abrir uma empresa no país
(o Brasil é o 174º colocado em um ranking de 190 países feito pelo Banco
Mundial com um prazo de quase 80 dias), ou pela segurança jurídica para a
recuperação de créditos tributários. Conduzir um negócio no país precisa ficar
mais simples para que também o risco para o empreendedor seja menor quando as
oportunidades, muitas vezes abertas pelo Estado, aparecerem.
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