GAZETA DO POVO
Vida e Cidadania
Acolhimento
Adoção de idosos pode virar realidade no Brasil. Entenda o
que está em debate
Por Tiago Cordeiro, especial para a Gazeta do Povo
[24/12/2019] [12:07]
O Estatuto do Idoso
prevê a possibilidade de uma família abrigar um idoso em caso de abandono e
vulnerabilidade, mesmo que não haja nenhum tipo de vínculo familiar. Adotar um
idoso, no entanto, ainda não é possível no Brasil. Mas essa situação está perto
de mudar: no que depender dos esforços do Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos e da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da
Câmara dos Deputados.
Apesar de o estatuto prever que “o idoso tem direito a
moradia digna, no seio da família natural ou substituta”, a figura legal da
adoção de idosos é incomum, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo.
A exceção é o Japão, país em que a adoção de adultos é tradicional e comum há
séculos.
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Bolsa Família” e pressões da esquerda
Em vários sentidos, ela é mais complexa do que a adoção de
uma criança, um processo que já demanda uma série de cuidados e checagens.
Afinal, a pessoa de mais de 65 anos tem uma vida pregressa, que pode incluir
parentes distantes que, mesmo sem contato direto e rotineiro, poderiam
questionar a adoção.
O governo federal está interessado em solucionar a questão.
Em seminário realizado na Câmara dos Deputados em maio, a ministra Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu a iniciativa. “A nossa
nação está esquecendo os idosos, e o atual governo vai implementar políticas
públicas para que nenhuma pessoa seja deixada para trás. A adoção dos idosos
pode ser de forma socioafetiva ou de apadrianhamento, mas é certo de que também
temos de tirar esse público dos abrigos”.
“Ideia revolucionária”
“A ideia é revolucionária, pode trazer um novo paradigma.
Atualmente não é possível adotar um idoso. Não temos ainda estrutura legal para
isso”, afirma o advogado especializado em direito de família Rodrigo da Cunha
Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que
participou de uma audiência pública na Câmara sobre o assunto – convocada pelo
deputado Ossesio Silva (Republicanos-PE), em 11 de dezembro, para debater
caminhos para regulamentar a medida. O deputado está elaborando um projeto de
lei nesse sentido.
Para o advogado, alguns detalhes precisam ser solucionados
para garantir que a prática tenha sucesso. Talvez até mesmo seja necessário
adotar um outro nome, já que adoção remete à tomada da guarda de crianças.
“Como chamaríamos uma mulher de 40 anos que adota uma idosa de 80? Mãe adotiva?
Não daria certo. Talvez tutora? Madrinha? Guardiã? Que direitos exatamente ela
teria sobre as decisões do idoso?”, questiona.
Eva Bettine, gerontóloga pela Universidade de São Paulo e
presidente da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG), aponta algumas
questões que precisam ser resolvidas pelo projeto de lei em desenvolvimento.
“Se o idoso tem posses, estas são adotadas junto com ele? A família que
abandonou, caso ele seja adotado, não será penalizada? Se o adotante morrer
antes do que o adotado, seus bens passam em parte para o adotado, dividindo com
os filhos e descendentes?”, questiona. “E se o adotado tiver posses, quem garante
que a adoção não teve essa motivação? Como fiscalizar se a situação de abandono
e violência perdurar?”
Políticas de reconhecimento
Cunha Pereira tem perguntas semelhantes. “Por exemplo,
quando o idoso tiver patrimônios em seu nome, eles passariam para a guarda do
tutor? Precisamos trabalhar em todos esses detalhes”, afirma o advogado.
Além disso, é preciso delimitar as obrigações de quem adota.
“A pessoa que adota tem que ter em mente que o adotado poderá estar saudável
naquele momento, mas nada garante que o adotante não venha a ter que cuidar do
idoso durante muitos anos, admitindo cuidadora, pagando médicos, comprando
medicamentos, cuidados intensivos, etc”, afirma Eva Bettine.
Para a gerontóloga, o ideal seria a adoção não envolver
questões de dinheiro e patrimônio – ou seja, o acolhimento previsto pelo
Estatuto do Idoso. “A ideia desse acolhimento nos parece ser muito mais
solidária e desinteressada do que a adoção. Não sou contra a adoção, mas se já
temos uma figura no estatuto - uma que pode cumprir esse papel -, não devemos
aprimorá-la?”
Em outras palavras: a iniciativa ainda está em passos
iniciais. Mas o debate é altamente relevante. “Não será simples implementar
essa mudança na legislação, mas é necessário. A adoção pode se tornar uma ferramenta
importante para garantir a qualidade de vida dos idosos”.
Trata-se de uma população que aumenta, em termos
quantitativos e proporcionais, ano após ano. A população com mais de 65 anos
cresceu 26% entre 2012 e 2018, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). O total de pessoas nessa faixa etária deverá dobrar até
2042, quando serão 57 milhões de idosos. E, em 2060, segundo uma projeção do
instituto, haverá no país mais idosos do que jovens. De acordo com uma pesquisa
promovida em 2018 pelo Ministério do Desenvolvimento Social, o número de
abandono de idosos aumentou 33% entre os anos de 2012 e 2017.
Ainda assim, no Brasil, os idosos ainda não são levados a
sério, afirma Cunha Pereira. “Assim como as crianças, eles são tratados como
invisíveis, porque não fazem parte da cadeia produtiva. Precisamos de
verdadeiras políticas públicas de reconhecimento e proteção aos idosos”.
Campanha Solidarize-se
Enquanto a legislação não é alterada, o Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou que vem implementando
políticas públicas com o intuito de fomentar o acolhimento à pessoa idosa em
todo o país. "Nessa perspectiva, foi lançada a Campanha Solidarize-se, com
o propósito de mobilizar, conscientizar e esclarecer a sociedade civil sobre o
abandono afetivo sofrido por idosos em instituições de longa permanência".
Além disso, informa a pasta, está prevista a criação de um
comitê interministerial para discutir e elaborar as diretrizes para a
formulação da Política Nacional de Cuidados, "o que contribuirá para a
promoção e regulamentação das práticas de cuidado e acolhimento a indivíduos
vulneráveis no país, inclusive o idoso"."
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