Companhia dos Aposentados

Tribuna dos Aposentados, Pensionistas e Trabalhadores do Brasil

VIA CRUCIS

por Angela Dutra de Menezes O viaduto das Bandeiras, vulgo Viaduto do Joá, vai cair – só não se sabe quando. Mas que vai, vai. O Engenhão rachou e está fechado para reparos. Dizem que um ventinho à toa, de apenas 60 Km por hora, pode derrubar a cobertura metida a sebo, cheia de nove horas e de erros no projeto ou na execução do próprio. A Vila do Pan está com a metade dos prédios interditados, ameaçados de desmoronamento. O túnel da Grota Funda tentou desabar, mas uma meia-sola no teto rachado, dizem, resolveu o problema. Será? Os BRTs respiram por aparelhos: a pista na qual circulam, apesar de ter menos de um ano de inaugurada, apresenta crateras. Ao desviar dos buracos, os motoristas atropelam os pedestres que atravessam a Avenida das Américas. As Vans – desde sempre um suspeito transporte alternativo, muitas servem para lavagem de dinheiro – agora contratam motoristas estupradores profissionais. A Serra fluminense, em dolorosa monotonia, voltou a assistir a tragédia das encostas sepultando famílias inteiras. Para os sobreviventes, acusados de culpa por construírem suas casas em áreas de risco – como se tivessem condições de morar no Leblon -, seguiu-se o espetáculo de praxe: desfile de autoridades com ar compungido e a promessa de liberação de milhões de Reais, que ninguém sabe aonde novamente irão parar. Apesar de a responsabilidade não ser do Estado ou do Município, apartamentos do Programa Minha casa, Minha Cova – oppsss, quero dizer Minha Vida – foram derrubados, pois, na construção, já apresentavam rachaduras dramáticas. A vila de sobreviventes de outras enchentes, construída em Caxias, Baixada Fluminense, não agüentou a primeira chuva. Novamente, os moradores enfrentaram alagamentos e as casas, aparentemente de papelão, encharcaram. Realmente, a população de baixa renda é tratada com uma consideração e um respeito emocionantes. O recapeamento das ruas da Zona Sul do Rio de Janeiro é uma lambança, nem bueiros escaparam, a maioria repousa agora sob camadas de asfalto. As obras do metrô viraram a cidade de cabeça para baixo, não há palavra que defina o caos do trânsito carioca. Em Ipanema, a Praça Nossa Senhora da Paz e suas árvores centenárias foram destruídas e a pobre da Perimetral, área portuária, que nunca deu problemas, está sendo derrubada porque “é feia”. O Aterro do Flamengo, apesar de tombado, corre o risco de ser desfigurado pela iniciativa privada. As obras da Copa do Mundo 2014, com raras exceções, estão atrasadas e, no grande temporal do dia 5 de março, o Maracanã alagou, virou o espaço perfeito para jogos de Water Polo. A FIFA, com a pulga atrás da orelha, já avisou que vai mandar vistoriar cada estádio declarado pronto porque, vamos combinar, motivos não faltam para desconfiarem de nossa engenharia. Para completar, horror dos horrores, as pistas e as piscinas para o treinamento dos atletas brasileiros estão sendo derrubadas porque assim o Comitê Olímpico Internacional decidiu. Dá para acreditar? As maracutaias não terminam por aí. Há uma semana, o Senado Federal aprovou uma resolução permitindo que as obras da Copa de 2014, que não ficarem prontas a tempo, podem ser concluídas depois do evento, conservando as benesses de um financiamento facilitado. Explicando melhor: os governos municipais e estaduais estão livres da responsabilidade de cumprir prazos – coisa mais chata – por saberem que não perderão o dinheiro fácil da Caixa Econômica Federal e do BNDES. Atenção: neste rol estão incluídas mais de 50 obras, num custo aproximado de 30 bilhões. Mas ser rico é bom demais, quem se importa com 30 Bilhões? Nossa saúde faliu, falta até Band Aid nos hospitais e a gente emprestou para Cuba quase um bilhão e meio de Reais. Dinheirinho que podia dar uma boa ajuda aos infelizes que dependem do Sistema Único de Saúde e morrem, desprezados e iguais moscas, jogados no chão dos hospitais. No governo federal, o escândalo das redações do Enem, com erros de português inaceitáveis na escola primária e onde valeu até receita de macarrão instantâneo, aponta, com segurança, o alto nível dos futuros profissionais brasileiros. A seca no Nordeste, a mais violenta em 50 anos, está jogada ao Deus dará. Num local onde o povo perdeu tudo e, em desespero, come ratos, os atravessadores cobram 180 Reais por um caminhão-pipa. O governo? Isso não é problema dele. A Petrobras, ex-orgulho pátrio, teve um prejuízo em 2012 de 22 Bilhões de Reais. Mas há quem afirme que, fala-se muito no prejuízo, para desviar a atenção dos leilões onde, em meados de maio, será oferecido ao distinto público estrangeiro 289 áreas de exploração, com potencial de 30 bilhões de barris. Meu Deus… A inflação come solta – eu sei, faço as minhas compras, pago com o meu dinheiro – e o Pibinho de 1% liberou geral, entre as autoridades, a Síndrome do Small Dick. Está todo mundo falando grosso para provar que é macho. Menos a presidenta, of course. O Congresso Nacional é uma infelicidade. Nem gosto de falar no Pastor Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos – alguém sabia que, antes de Feliciano, a CDH era um local dominado por Satanás? Pois é, palavras dele. Imaginar os mensaleiros condenados José Genoíno e João Paulo Cunha dando palpites na Comissão de Constituição e Justiça é um ultraje à minha cidadania. Comentam a boca pequena – mas eu não assino embaixo – que o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal será indicado por outro condenado: José Dirceu. Se pensar só mais um pouquinho, citarei outros escândalos sem problema nenhum. Eles pululam no Rio de Janeiro, transbordam no Brasil. Meu país perdeu o rumo, a ética, a vergonha e até a noção de perigo. Dá vontade de chorar. Então, hoje, não escreverei mais nada. Estou cansada de engolir sapo, cansada de não ser respeitada, cansada do lamaçal que me envolve. Ser brasileira transformou-se numa vergonhosa via crucis. Angela Dutra de Menezes é escritora e jornalista

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