Um texto de Marcelo Viveiros de Moura
Prezados,
Eu
relutei muito em escrever isso, por várias razões. Em primeiro lugar,
porque tenho amigos que são petistas ferrenhos. Pessoas que estudaram
comigo, amigos mais recentes, pessoas de quem gosto e que admiro e que
já manifestaram o voto “esclarecido” em Dilma.
Em
segundo lugar, porque sei que vou atrair para mim uma saraivada de
comentários preconceituosos e de discussões acaloradas, muitas vezes
irracionais. Entretanto, acho que estamos em um momento crucial para o
país e não podemos nos furtar a nos manifestar (enquanto podemos fazê-lo
livremente…).
Vou
começar dizendo que respeito – e muito! – o voto que chamo de “não
esclarecido” em Dilma. É o voto típico do cidadão que no máximo tem o
ensino fundamental e é habitante das cidades com menos de 50.000
habitantes, em especial do Nordeste, onde Dilma tem maioria absoluta.
Esse cidadão é beneficiário dos programas sociais do Governo e vota com
medo de perder esses programas, como martelado pela propaganda petista.
Esse
cidadão não entende que independência do Banco Central não vai tirar
comida da mesa dele. Esse cidadão acredita que o PSDB vai cortar os
programas sociais, vai discriminar pobres, negros e nordestinos e vai
piorar a vida dele. Esse cidadão não entende o que é o “mensalão” e o
“petrolão” e acha que todo governo é mesmo corrupto. Enfim, esse cidadão
acredita que a Marina é vendida aos banqueiros, que o Aécio é um
“filhinho de papai” que bate em mulher, que a Dilma é uma gerente
eficiente e tudo o mais que o João Santana lhe impinge todos os dias, em
programas de televisão caríssimos.
Entretanto
eu não respeito – sinto, não respeito, mas acato por amor à democracia –
o voto na Dilma do cidadão urbano, das cidades com mais de 500.000
habitantes e nível de escolaridade superior. Os argumentos são muitos.
Em
primeiro lugar, desonestidade intelectual. Qualquer um que colabore com
essa campanha sórdida que o PT está fazendo de desconstrução dos
adversários e de mentiras deslavadas sobre tudo e sobre todos é
intelectualmente desonesto.
Eu
fico realmente incomodado quando vejo pessoas inteligentes e
supostamente esclarecidas tentando defender que o petrolão é a mesma
coisa que o aeroporto (vai, faz por pista de pouso!) de Cláudio, que é
necessário um “marco regulatório” para a imprensa, que é dominada pela
“direita”, que a economia está ruim por conta da crise mundial, que o
voto em Dilma é “progressista” e que o voto em Aécio é “conservador” ou
“reacionário”.
O
“mensalão”, como agora o “petrolão”, têm uma importância crucial neste
país. Obviamente, não é a corrupção “comum”, para fazer mais rico o
Paulinho, amigo do Lula e convidado do casamento da filha da Dilma. Não é
uma empresa comprando a fábrica de videogames do filho do Lula por
vários milhões,para depois deixá-la falir. Não, o objetivo dos desvios
em uma companhia aberta de economia mista, em que recentemente os
trabalhadores foram chamados a investir com o saldo dos seus FGTS é um
só: fazer caixa para o partido e para as campanhas eleitorais e
corromper parlamentares e governadores (inclusive, aparentemente, do
PSDB) para que ajam como o governo quer. Isso é muito, mas muito mais
grave do que o Paulinho ficar rico às nossas custas! Isso é um projeto
de tomada e manutenção do poder por um grupo e só não vê quem não quer!
Isso é corroer as instituições do país para manutenção de um grupo no
poder. Só isso, por si só, seria motivo para a Dilma não ter nenhum voto
“esclarecido” e para a população, desta vez com muito mais razão, ir às
ruas protestar.
Um
partido que teve sua cúpula julgada e condenada pela mais alta corte do
país e que, logo depois se vê envolvido em outro escândalo de ainda
maior monta, agora de desvio de recursos da maior empresa do país para o
mesmo fim não poderia receber um voto “esclarecido” sequer! A menos que
sejam daqueles que coadunam da idéia de que os meios justificam os fins
e que vale tudo para chegar ao nirvana da esquerda (que coisa mais
antiga isso, de direita e esquerda…).
A
pista de pouso (sim, porque chamar de aeroporto é até engraçado) de
Cláudio chega a ser pueril neste contexto. Pode-se discutir se Cláudio
comporta ou não uma pista de pouso de R$ 18 milhões e se o Aécio se
beneficia ao pousar lá quando vai para a fazenda da família. Talvez não
devesse mesmo ter sido construída. Mas só o Paulinho está devolvendo
aos cofres públicos R$ 70 milhões, meu Deus! Isso para não falar dos
bilhões que foram parar (segundo o Paulinho) nos cofres do partido.
Comparar uma coisa com a outra é desonestidade intelectual.
Quem
elegeu o Paulinho? O acionista controlador, leia-se, a União. Quem era o
Presidente do Conselho de Administração na gestão do Paulinho? A atual
Presidente da República. Qual é uma das funções do Conselho de
Administração? Fiscalizar a gestão dos diretores. Como o Paulinho foi
demitido? Ele renunciou e recebeu do acionista controlador
agradecimentos penhorados pelos “relevantes serviços prestados”. Cadê a
nossa “gerenta”? Ela não sabia? Nunca ficou sabendo que o Paulinho dava
dinheiro para o partido dela e para a campanha dela e para comprar apoio
para ela? Alguém acredita nisso? Alguém acredita que foi ela que
“mandou investigar”? Alguém acha que as combinações de perguntas e
respostas na CPI da Petrobrás não é um ataque às nossas instituições e
que a “gerentona”, de novo, não sabia que um funcionário do Planalto
participou disso?
Agora,
se querem comparar o aeródromo de Cláudio com alguma coisa, quer uma
comparação que faz sentido? O financiamento à construção do aeroporto de
Havana, do metrô de Caracas ou do porto de Mariel. Porque cargas d’água
um país que tem o déficit de infra-estrutura que nós temos está
financiando a construção de infra-estrutura em outros países? Ah, é para
a exportação de serviços das empreiteiras brasileiras e criação de
empregos no Brasil, diz a Dilma, são elas que estão sendo financiadas,
não o Governo dos países “amigos” (amigos de quem, cara pálida?).
Mas
é isso mesmo? Quem é o cliente das empreiteiras? Se a empreiteira
recebe o dinheiro do BNDES para construir a infra-estrutura, quem paga o
BNDES? Ah, o cliente. Quem é o cliente? Ah, os governos desses países.
Alguém acha mesmo que a pujante economia caribenha vai devolver US$ 2
bilhões aos cofres do BNDES? Ou vai-se fazer a mesma coisa que se fez
com as ditaduras africanas, ou seja, perdoar a dívida? Ah, mas e o
aeroporto de Cláudio? Faça-me o favor, respeite o meu intelecto: prefiro
que se faça aeroporto em Cláudio, que é no Brasil do que em Havana, que
é em um país estrangeiro. Cláudio fica no Brasil, em Minas Gerais e só
vai servir a brasileiros (nem que sejam os da família Tolentino). O
aeroporto de Havana só vai servir aos cubanos (aliás, nem a eles, pois
eles não podem muito usar o avião).
O
marco regulatório para a imprensa é outro assunto interessante. A
idéia, diz-se, é cumprir a Constituição de 1988, que proíbe monopólios e
oligopólios no setor. Para tanto, é necessário um marco regulatório.
Ué, mas existe oligopólio ou monopólio no setor? Onde? Antes de
responder, sugiro que leiam com cuidado a definição de oligopólio e
monopólio. E se, ainda assim, quiserem considerar que temos um, ou
outro, não existe um sistema de defesa da concorrência criado em 1994
exatamente para combater monopólios e oligopólios? Para que serve o
CADE?
Ah,
então, qual é mesmo o objetivo do marco regulatório? É óbvio que é um
só: controlar conteúdo, para que o Bonner e a Miriam Leitão, nas
palavras do nosso guia, não falem mal da Dilma na televisão.
A
imprensa no Brasil é tão golpista e vendida para a chamada “direita”
que aquele sujeito presidente do MTST que defende o aumento da cobertura
de celulares nas periferias entre outras pérolas, virou colunista da
Folha. Ah, mas isso é só para a Folha posar de moderna, dizem os xiitas
do PT, no fundo ela é vendida também. Em outras palavras, querem sim
controlar o conteúdo, que eles reputam controlado por outros que não
eles.
Crise
econômica. Vamos combinar que estamos vivendo uma crise econômica com
7% de inflação (com preços represados) e 0% de crescimento? Não, não
podemos combinar isso, pois a turma do PT entende que não há crise, pois
não há desemprego e que só não crescemos mais porque a “crise mundial”
não deixa. Mas, espera, não é verdade que os EUA cresceram 4%? E a China
cresceu “só” 7%? E que o Brasil só cresce menos que, surpresa,
Venezuela e Argentina na América do Sul? Que crise mundial é essa?
E
quanto ao desemprego? Se a indústria está parada, se o comércio não
vende, se as famílias estão endividadas e há, ainda assim uma inflação
de 7% por quanto tempo o emprego vai se manter? Alguém já viu manutenção
de emprego sem que a economia estivesse rodando?
Ah,
mas o governo é desenvolvimentista (outra palavra muito usada, junto
com neoliberal quando se fala nos “tucanos”), vai gastar mais do
dinheiro que não tem no BNDES para gerar emprego. Por mais incrível que
pareça, a Dilma, torturada pela ditadura, segue o modelo que os nossos
generais seguiram e que deu na hiperinflação dos anos 80.
Como
pode o governo querer fazer girar toda a roda da economia sozinho? Vai
continuar a escolher nossos “campeões nacionais”, como o Eike, para
investir e dizer que são exemplos de empresários? Vai continuar a gerar
emprego exportando dinheiro que não temos para construir infra-estrutura
em países periféricos?
Eu
gostaria muito que alguém citasse um modelo de país que estamos
seguindo. É a Venezuela, Argentina, China, Cuba, Angola, Russia, em que
país nos espelhamos no nosso desenvolvimentismo? Que país deu certo com
essa receita macroeconômica? Em que condições? O modelo
desenvolvimentista é dos anos 50, foi testado no Brasil nos anos 70 e
foi um fracasso. No momento, o modelo “desenvolvimentista” conseguiu
desenvolver o PIB em 0% e aumentar a inflação para 7%. Sinto, mas o nome
disso não é desenvolvimento é estagflação…
O
voto em Aécio é “conservador” e “reacionário”. Espera aí! Quem está no
governo há doze anos e quer se manter? Conservador é votar no que está
aí, é conservar o status quo, não? Querer alternância de poder é ser
conservador? Reacionário?
Quem
tem o apoio do Collor, do Sarney, do Renan Calheiros? Quem tem o apoio
da Marina, do Eduardo Jorge, da família Campos? Quem representa a
novidade na política?
Mas
os PTistas têm o monopólio da bondade e são progressistas. Meus
intelectuais e artistas são melhores do que os seus. O Chico Buarque e o
Gregório Duvivier são modernos e progressistas. O Wagner Moura e o Luis
Eduardo Soares são reacionários. Poupe-me!
Finalmente,
essa falácia de que o Aécio é um filhinho de papai mimado que quer ser
Presidente por direito divino. A Dna. Dilma, “enfant de Sion” não é
filhinha de papai, porque ela pegou em armas na juventude contra a
ditadura e foi torturada (a Miriam Leitão também, mas ela não conta
porque segundo o grande guia fala mal da Dilma). O que mais a Dilma fez
mesmo?
Que
outro cargo, que não fosse indicado por alguém, ela exerceu? Que
importância ou protagonismo ela teve até ser chefe da casa civil do Lula
e ser alçada reconhecidamente como um “poste” para presidir o Brasil?
O
Aécio, jovem, já fazia política no movimento Diretas Já, ao lado do avô
que, sim, foi um dos melhores políticos que esse país produziu. O Aécio
foi Governador de Minas entre 2003 e 2010, foi Deputado Federal por
quatro mandatos, foi Presidente da Câmara dos Deputados e Senador da
República, com a maior votação do Estado. Saiu do Governo de Minas com
aprovação de 90% da população. Esse é o CV de um “filhinho de papai”? É
esse sujeito que o PT demoniza em público, como se fosse um playboy
desmiolado? Não há aí preconceito de classe? Só existe preconceito do
rico com o pobre no Brasil, não existe preconceito contra o rico neste
país?
Por
tudo isso, por todo esse discurso falso e ideológico, cujo único
objetivo é o poder pelo poder, que eu não respeito o voto “esclarecido”
no PT, embora o aceite porque é assim que funciona a democracia e como
dizia Churchill, a democracia é o pior regime que existe, exceto por
todos os outros (embora eu não ache que a turma do PT vá concordar com
essa frase também).
Enfim,
desculpem o longo desabafo, mas não quis me furtar a declarar o que eu
penso de tudo isso que estamos lendo diariamente nas redes sociais.
Marcelo Viveiros de Moura”
“Não vamos desistir do Brasil”
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