DIÁRIO DO PODER
24 fevereiro 2019
NEY LOPES
Análise da reforma da
Previdência
Foi publicada a versão oficial
da Reforma da Previdência pretendida pelo governo.
Um ponto deve ser esclarecido,
antes de qualquer análise.
Trata-se de uma Reforma
absolutamente necessária ao país.
Não há como negar que o mundo
evoluiu e os sistemas previdenciários para sobreviverem terão quer ser
modernizados, sobretudo o brasileiro.
Logo, em nenhum momento desta
análise, o autor do artigo se insurge contra a Reforma.
A grande
questão é como fazê-la: se optando, por uma “rua de mão única”,
em que somente alguns “paguem o pato no final das contas”.
Ou, dividindo sacrifícios entre as várias categorias
sociais, sobretudo prestadores de serviço (privados e públicos) e empresas.
O déficit previdenciário existe
e conspira contra o equilíbrio das contas públicas.
Impossível negar tais
evidências, sem prejuízo da formulação de algumas observações, em função do que
pretende o governo.
Não se há de negar a existência
de pontos positivos na proposta.
Porém, soa falso esbravejar que
a proposta encaminhada ao Congresso é para o “bem do Brasil” e quem se opuser a
ela (mesmo em parte) seria contra o país.
Por outro
lado, também soa falsa a colocação no texto de aparentes “iscas sociais”, “capitalizando” o discurso contra
privilégios, unicamente para alcançar Ibope elevado.
Está claro que a reforma
sugerida é para o mercado, para quem tenha vocação de lucro, quem tenha vocação
de empreendedor. O que sobrar dessa conta atuarial inflexível será aplicado
aqui, ali e acolá, numa visão social mais abrangente e equitativa.
O cidadão vocacionado, por
exemplo, para o serviço público (indispensável num Estado democrático) estará
nivelado por baixo. Almejar um bom rendimento no exercício de cargo público é
considerado “privilégio” e é penalizado violentamente.
Note-se que os
trabalhadores do setor público, que poderão receber aposentadoria mais que o
teto do INSS, as alíquotas continuarão aumentando até chegarem a 22% do que
exceder R$ 39 mil mensais.
Por exemplo: um servidor
público aposentado que recebe R$ 30 mil pagará 16,11%, com aumento
considerável.
Some-se a isso o que esse
servidor já paga de Imposto de Renda e outros encargos.
Claro que nada sobrará para a
chamada “capitalização” em fundos privados (algo inaceitável), que o governo
anunciará em nova proposta de projeto de lei.
Cabe destacar que o governo
anuncia na chamada “capitalização” a “garantia” do Tesouro apenas do valor
equivalente ao “salário mínimo”.
Quer dizer: os demais
(sobretudo a classe média) que contribuírem para “fundos privados” (Bancos
serão fortalecidos) ficarão à mercê dos tradicionais “trambiques”, que pontuam,
infelizmente, a realidade brasileira nessa área.
No Chile esse sistema de capitalização,
faliu, está em grave crise e provocando convulsões sociais.
O Professor da Faculdade de
Economia e Negócios da Universidade de Chile, Uthoff, em seminário no Brasil
declarou que “boa parte da população não está em condição de capitalizar, e a
previdência deve proteger essa parcela da sociedade.
“O que estamos notando no mundo inteiro é que o mercado de trabalho
não se formaliza”, citando fatores como robotização, automação
e empreendedorismo, que afastam enormes contingentes do trabalho formal e, consequentemente,
da capacidade de poupar.
Por isso, imagina que é preciso
haver para aqueles que se disponham ao sacrifício da capitalização mensal
tenham a garantia total do Governo, em caso de falência do fundo privado.
Por outro lado, caberá ao
governo severa fiscalização, o que é impossível ser feita apenas pelas leis do
mercado.
O resumo
da ópera é que a grande atingida será a “classe média”.
A reforma considera apenas dois
segmentos na pirâmide social do país: baixa renda e alta renda (essa sim, beneficiária
e não atingida em absolutamente nada).
Mesmo assim, a baixa renda,
igualmente à classe média, também “paga o pato”.
Anunciadas duas mudanças, por
exemplo, no Benefício de Prestação Continuada.
A primeira medida é o adiamento
da idade para que se tenha acesso ao benefício completo. Atualmente, idosos a
partir de 65 anos podem requerer um salário mínimo. Com a reforma, só a partir
de 70 anos é que o valor poderia ser recebido.
O nordeste será atingido em
cheio por essa restrição, pelo contingente de pobreza que abriga. Há estados
nordestinos, onde a expectativa de vida é de 67 anos.
Por outro lado, o governo
concederia um benefício menor para pessoas a partir de 60 anos.
Quem tem entre 60 e 69 anos e
comprovar as condições para ter direito ao benefício receberia R$ 400.
O valor é fixo, não seria
vinculado ao salário mínimo ou corrigido pela inflação.
Atualmente, trabalhadores que
recebem até dois salários mínimos têm direito a um abono de um salário mínimo
por ano.
A proposta é reduzir os
beneficiários e pagar o abono apenas a quem tem renda de até um salário mínimo.
Outro ponto importante: na
verdade é ilusório dizer que a alíquota foi reduzida (7.5%) para os
trabalhadores assalariados.
A verdade é a
seguinte: atualmente, os contribuintes da iniciativa privada pagam
alíquotas fixas de 8%, 9% ou 11% sobre o rendimento, a depender da faixa
salarial.
Pela mudança, cada trabalhador
passará a contribuir com uma alíquota efetiva que corresponde exatamente a seu
salário.
A contribuição terá uma
progressão gradativa dentro de cada faixa salarial.
Sobre um salário mínimo serão
recolhidos 7,5%. Entre R$ 998,01 e R$ 2.000,00, a taxa será graduada entre 7,5%
e 8,25%. Entre 2.000,01 e 3.000,00, a alíquota irá variar de 8,25% a 9,5%.
No caso dos salários de R$
3.000,00 a R$ 5.839,45 (teto do INSS), oscilará entre 9,5% e 11,68%.
Observa-se que realisticamente
a alíquota aumentou, já que não se pode consagrar o princípio de que o
trabalhador estacione na remuneração de um salário mínimo.
Não se faz política pública com
essa ótica canhestra.
Por justiça, o texto tem uma
boa linguagem técnica.
Todavia, é
como um iceberg (grande massa de gelo que se desprende de
plataforma de gelo e que vaga, à deriva, nos oceanos).
No “iceberg” o perigo está
naquilo que está invisível, sustentando o que está na superfície.
Os técnicos dizem que nove
décimos do iceberg estão submersos, ou seja, na superfície ninguém percebe a
realidade do perigo.
No caso da proposta da
Previdência, senão nove décimos, pelo menos um bom percentual do que ela
contém, está “escondido” nos benefícios concedidos unicamente ao mercado e a
sua lógica perversa.
Outra observação necessária:
não é possível tratar de um problema econômico sem considerar a inegável
importância do mercado.
Seria ingênuo pensar assim.
Todavia, nunca é demais lembrar
o conselho do Papa Francisco aos estudantes de Lyon, França:
“Tenham
“a força e a coragem de não obedecer cegamente à mão invisível do mercado.
Aprendam a se manterem livres do fascínio do dinheiro, do cativeiro em que
o dinheiro encerra todos aqueles que lhe prestam culto”.
Certamente, os tecnocratas
empedernidos indagarão: então, de onde virá o dinheiro para cobrir o déficit?
Faltou à
proposta de reforma previdenciária anunciar qual será a cota de sacrifício da
economia privada para ajudar a “fazer caixa” e
reduzir o déficit previdenciário.
Ou,
continuará como “dantes no quartel de Abrantes”?
Para se
ter uma ideia, o total de subsídios dados pela União em 2017 chegou a 354,7
bilhões, equivalente 5,4% do PIB, sem fiscalização do retorno
social.
Esses “subsídios” – alguns
permanentes – são receitas, que o governo deixa de ter e falta ao custeio da
previdência, bancada, mês a mês, pelo bolso dos servidores, assalariados e
empresas.
Não
se justifica o critério da “mão única”, no qual o vilão-responsável sejam os
trabalhadores, servidores públicos e beneficiários da previdência.
É necessário ir fundo na
identificação das “causas”, que têm origem em vários fatores, sobretudo os
“vazamentos”, de bilhões e bilhões de recursos públicos, decorrentes de
“fraudes e privilégios”, historicamente “justificadas” sob variados pretextos,
sem prestação de contas.
Se a reforma tratasse desses
“vazamentos” (a atual isenção sobre distribuição de lucros dividendos e a não
taxação de grandes fortunas), o “déficit” seria reduzido e o “sacrifício”
melhor dividido.
Infelizmente,
os assalariados, servidores públicos e beneficiários da previdência social
estão convocados para “pagarem o pato” sozinhos.
Outras indagações semelhantes
serão feitas em análises posteriores.
Só resta uma esperança: a
presença política lúcida do Congresso Nacional, sem radicalismo, olhando o
Brasil, porém numa ótica que não seja de “mão única”, no sentido de preservar
valores e lutar pela justiça social.
Realmente essa tarefa deverá
sobrepor-se às ideologias e aos partidos. Para isso. o governo tem que dá o
exemplo e sentar-se à mesa, dialogando.
Se o governo partir do
pressuposto de que é “proprietário privado da verdade e das soluções
nacionais”, não alcançará o seu objetivo, por mais boa fé que tenha. Poderá,
inclusive, dá causa a grande instabilidade social e política no país.
O Presidente precisa ser
aconselhado, esclarecido, inclusive porque a sua formação é inegavelmente de
visão social, sem excessos.
A essa altura essa presença ao
lado do Presidente é indispensável e a única luz que surge no final do túnel.
O único caminho que se espera
para a implementação das mudanças necessárias ao Brasil será o da real “divisão
de sacrifícios”, o que não está contido na proposta em tramitação no Congresso
Nacional.
Deus ajude o Brasil!
Ney
Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do
Parlamento Latino-Americano, procurador federal – nl@neylopes.com.br –blogdoneylopes.com.br
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