Dizem que a
palavra “crise” em chinês é composta por dois ideogramas que significam “perigo
e oportunidade”. Não vou me arriscar em explicar aplicações da palavra perigo -
que muitos entendem apenas como a iminência de algo ruim. Nós, trabalhadores da
Varig vivemos uma situação de injustiça crônica e tendemos a esquecer que
“perigo” pode ser também algo duradouro. Dá para dizer que é o nosso caso.
Nem todas as
oportunidades quando se apresentam, podem ser aproveitadas. As poucas que
tivemos nesses quase dez anos de lutas foram frustradas não por culpa de quem
se dispôs à luta, mas por vivermos num país esquizofrênico, onde uma justiça
mediana ainda não deu as caras. Mas é preciso reconhecer que o envolvimento e a
participação dos maiores interessados nunca foi o que se espera de quem o vê
chão de seu emprego sumir aos poucos e de aposentados surpreendidos com uma
criminosa redução de 92% em suas aposentadorias.
Quando tudo
ia bem – ou só aparentava não estar indo – não se acusava o perigo de uma
empresa como a Varig acabar, eliminando milhares de empregos e levando famílias
ao desespero. Parecia um sonho mau pensar que direitos trabalhistas ficariam
engavetados por uma década – e ainda sem sinais de desengavetar – e que
aposentados iriam receber apenas 8% de seus benefícios (alguns nem isso) durante
mais de CEM MESES - e contando.
Essa aritmética
sinistra - se tem um lado bom - é o de nos fazer pensar. Estamos todos dez anos
mais velhos, mais frágeis e mais excluídos dos meios de gerar renda
honestamente. E nem é preciso lembrar que, se para muitos brasileiros começa a
aparecer a verdadeira face dos que ocupam o poder no país, nós, os
trabalhadores da Varig (há muitos anos) somos as cobaias desse experimento
perverso.
Mesmo uma
criança pode pegar uma calculadora e verificar a soma de CEM salários não
pagos. Embora no caso dos demitidos o cálculo seja mais complicado devido às
particularidades, cada um de nossos colegas que perdeu o emprego sabe o quanto
de renda perdeu e como foi prejudicado. E todos juntos sabemos que uma montanha
de dinheiro gerada por nosso trabalho duro foi criminosamente roubada de nós
todos.
Não devemos
pensar que seja uma atitude inócua pegar o último contracheque cheio –
recebidos da Varig ou do Aerus - e fazer as contas do que nos tiraram. Calcular
os valores ao longo dos anos, considerar as correções devidas e relacionar com
o que a vida que poderia ter sido - caso não fossemos roubados, não deveria ser
fator de mais ansiedade e depressão.
É difícil, eu sei, mas, talvez fosse
melhor transformar esses sentimentos tóxicos em atitudes. E uma dessas atitudes
é se juntar ao grupo (mais de 300 no momento) que tenta movimentar a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, com sede em San José da Costa Rica. Um juiz
brasileiro, que foi (ou ainda é) vice-presidente desta Corte, diz com todas as
letras e referindo-se aos países membros que:
“O direitos sociais devem ser objeto de
desenvolvimento progressivo” e que se deve respeitar “O Princípio do não
retrocesso – a não diminuição dos direitos de natureza social.”
Tudo a ver com
a nossa longa noite esperando.
No vídeo
abaixo, mais ou menos aos 10 minutos.
Correr os
perigos, mas vislumbrar as oportunidades e tomar atitudes - são qualidades de
pessoas inteligentes. Se nós variguianos não tivéssemos valores, a Varig nunca
teria sido a empresa que foi. É nas horas difíceis, como esses tempos cruéis
que suportamos que essas qualidades se tornam mais necessárias.
JC Bolognese
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