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Estado de S. Paulo
Terça
feira, 22 de abril de 2014
A armadilha do salário
mínimo
É inegável que grande parte da redução da desigualdade
social no Brasil deve ser creditada à forte valorização do
salário mínimo.
A fórmula de reajuste do salário mínimo leva em conta a
inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos
atrás. Para 2015, o governo prevê a sua elevação dos atuais R$
724,00 para cerca de R$ 780,00.
Os países diferem bastante quanto ao método de reajuste do
salário mínimo. Há nações que fixam salários mínimos
regionais, como fazia o Brasil no passado. Outras definem o
valor por setor de atividade. Há ainda as que o fixam por
categorias profissionais. Alguns países deixam a definição do
valor para a negociação coletiva.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) fará uma
avaliação dos diferentes métodos na Conferência Internacional
do Trabalho a se realizar no próximo mês em Genebra.
Pela Constituição Federal de 1988, o Brasil optou por um
salário mínimo nacional capaz de atender às necessidades
básicas dos trabalhadores, independentemente de região, setor
ou categoria profissional. E, em 2006, adotou a fórmula atual
de reajuste que, para muitos, é virtuosa pelo fato de combinar
o comportamento da inflação com o do PIB.
Por força da Lei 12.382/2011, o governo terá de apresentar
em 2015 um projeto de lei instituindo uma nova fórmula ou
mantendo a atual para ser usada no período de 2016-19. As
discussões serão acaloradas, pois o tema tem uma indiscutível
coloração política, com inúmeras consequências para a economia
brasileira. Destaco algumas delas.
A combinação da variação da inflação com o comportamento do
PIB é boa quando a inflação cai e o PIB cresce. Nessa
condição, é possível conceder-se aumentos salariais sem
efeitos inflacionários e sem prejuízos para o
investimento.
Mas, nos últimos anos, a inflação subiu muito e o PIB
cresceu pouco. Com exceção de 2010, quando o PIB cresceu 7,5%
e a inflação (medida pelo IPCA) cresceu 5,9%, o quadro dos
anos recentes foi bastante adverso. Em 2009, o PIB diminuiu
0,2% e a inflação subiu 4,3%. Em 2011, o PIB ficou em 2,7% e a
inflação bateu na casa dos 6,5%. Em 2012, os números foram
novamente divergentes para um PIB de apenas 0,9% e inflação de
5,8%. E em 2013, tivemos 2,3% e 5,9%, respectivamente.
O reajuste tem sido puxado muito mais pela inflação do que
pelo PIB. Isso "pressiona" os salários próximos do salário
mínimo e boa parte da pirâmide salarial, fazendo com que seus
valores subam mais do que a produtividade do trabalho.
O descasamento entre salários e produtividade
generalizou-se com a falta de mão de obra, fazendo explodir o
custo unitário do trabalho. O Brasil deixou de ser um país de
mão de obra abundante e barata para ser um país de mão de obra
escassa e cara quando se leva em conta a produtividade do
trabalho.
Os impactos da fórmula atual não param aí. Isso porque a
própria fórmula é abandonada quando o seu resultado se mostra
desfavorável a aumentos salariais. É o que ocorreu, por
exemplo, com o reajuste do salário mínimo em 2011. Pela
fórmula o aumento teria de ser de 5,7%, pois, da inflação de
2010 (5,9%) deveria ter sido subtraídos o - 0,2% do PIB de
2009. Ao aumentar de R$ 510 para R$ 545, o aumento foi de
6,8%.
A fórmula tem agravado também as finanças públicas na
medida em que aumenta as despesas da Previdência Social, dos
programas sustentados pela Lei Orgânica de Assistência Social
(Loas), as Rendas Mensais Vitalícias (RMV), os Benefícios de
Prestação Continuada (que são pagos aos idosos carentes
portadores de deficiência) e o seguro-desemprego que é pago
com recursos do FAT.
Os governos estaduais e municipais também sofrem porque
grande parte dos seus funcionários ganha um salário mínimo (ou
próximo disso) e a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe
restrições ao crescimento da folha de salários, o que coloca
os governantes no meio de uma verdadeira camisa de força.
Há ainda outra complicação que, apesar de não decorrer da
fórmula, se relaciona com ela. Por força da Lei Complementar
103/2000 os governadores definem o "piso estadual" sem nenhuma
referência ao comportamento do PIB ou da inflação.
Na prática, o valor aprovado funciona como um salário
mínimo estadual, influenciando os demais salários do Estado,
dos municípios e das próprias negociações coletivas realizadas
no setor privado. Os valores dos pisos estaduais têm ficado
bem acima do salário mínimo nacional, atualmente de R$ 724,00.
Por exemplo, para 2014, o Estado de São Paulo fixou o piso
estadual na faixa de R$ 810,00 a R$ 835,00 conforme a
categoria profissional. O Rio de Janeiro optou por uma faixa
de R$ 835,00 a R$ 1.177,00. E o de Santa Catarina ficou entre
R$ 835,00 e R$ 927,00.
Ou seja, apesar do bem-sucedido Plano Real, o Brasil não se
livrou da indexação de salários. Em todo reajuste, é sempre a
inflação mais alguma coisa, sem relação com a produtividade.
Isso se torna particularmente grave na base da pirâmide
salarial. Por meio da fórmula indicada e dos pisos estaduais,
o Brasil vem forçando a elevação de salários de toda a
estrutura salarial que, associada à mencionada falta de mão de
obra, eleva o custo do trabalho para muito além do crescimento
da produtividade. Isso compromete a eficiência da economia
brasileira e solapa indiretamente a própria política de
redução das desigualdades, transformando-se em verdadeira
armadilha.
Sei que o assunto é polêmico. Todavia, não há como escapar.
Mais cedo ou mais tarde, o Brasil terá de ajustar o salário
mínimo pela variação da inflação e desvincular o mesmo do
reajuste dos benefícios previdenciários. Como 2015 não é ano
eleitoral, estaria ali a oportunidade para debater a nova
fórmula à luz das consequências acima apontadas com vistas a
evitar um desastre maior, inclusive para a própria política de
redução de desigualdade que o País quer manter.
À luz da filosofia do diálogo social e do tripartismo
pregados pela OIT, toda e qualquer decisão terá de ser
precedida, é claro, por uma exaustiva discussão entre os
atores sociais.
*José Pastore é professor de Relações do Trabalho
da FEA-USP, presidente do Conselho de Emprego e Relações do
Trabalho da Fecomércio-SP e membro da Academia Paulista de
Letras.
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